Opinião

Imunidade tributária dos templos de qualquer culto e o princípio do Estado laico

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11 de outubro de 2022, 20h31

A alínea "b" do inciso VI do artigo 150 da Constituição dispõe ser vedado instituir impostos sobre templos de qualquer culto e o §4º do mesmo dispositivo determina que a referida proibição compreende "somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas".

A partir da escolha principiológica de que as imunidades tributárias são interpretadas ampliativamente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a "imunidade prevista no artigo 150, VI, b, da CF deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços 'relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas'" e que o "§4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do artigo 150 da CF".

O STF inclusive editou o enunciado de Súmula 724, que dispõe o seguinte: "Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo artigo 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades".

Na seara infraconstitucional, o artigo 14 da Lei Complementar nº 101/2000 estabelece que a "concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício" e o §1º do mesmo artigo dispõe que a "renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado".

Ocorre que a interpretação ampliativa das imunidades tributárias, na prática, cria subvenções aos cultos religiosos e às igrejas e põe em risco o princípio do estado laico, em verdadeira violação ao inciso I do artigo 19 da Constituição Federal, que proíbe ao Poder Público "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los […] ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança".

O §4º do artigo 150 da Constituição determina que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto compreende "somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas".

Assim, um imóvel (patrimônio) locado para moradia ou fins comerciais está relacionado com as finalidades religiosa?

A renda proveniente do aluguel pode estar relacionada, mas o imóvel em si não.

A Constituição elencou patrimônio, renda e serviços. Logo, não se deve confundir as imunidades do patrimônio, da renda e dos serviços entre si.

Ainda que a renda de um imóvel locado esteja relacionada às finalidades essenciais do templo, não necessariamente a imunidade da renda deve se estender ao patrimônio.

Por exemplo, quando uma decisão judicial amplia a imunidade da renda para o patrimônio, cria também uma subvenção por renúncia de receita e sem qualquer estimativa do impacto orçamentário-financeiro.

A imunidade dos templos de qualquer culto tem como finalidade a liberdade religiosa, a qual não deve sofrer impedimentos ou restrições por parte do Estado.

No entanto, o Estado também não tem o dever de estimular o exercício de cultos ou de incentivar igrejas.

A capacidade contributiva é um dos princípios norteadores do Sistema Tributário Nacional e o Brasil possui denominações religiosas com patrimônio milionário, senão bilionário, sendo que muitas dessas igrejas têm “dono”.

Importante notar ainda que apesar de formalmente o patrimônio e a renda pertencerem à denominação religiosa e estarem vinculados ao seu CNPJ, em grande medida a riqueza é usufruída por seus líderes (rectius: donos).

Ademais, levantamento recente apurou que no Brasil foram registradas em média 21 novas igrejas por dia nos últimos dez anos [1].

Paralelamente, cada vez mais se vê a intromissão de líderes religiosos, no exercício de suas funções, fazendo campanha política nos templos religiosos para o candidato "A" ou "B", em evidente confusão entre a atividade religiosa e a atuação político-partidária.

As bancadas de parlamentares vinculados aos interesses das igrejas têm ainda atuado fortemente para aumentar as imunidades e isenções, bem como para perdoar as dívidas tributárias dos templos de qualquer culto [2].

A imunidade tributária dos templos de qualquer culto é essencial para proteger o livre exercício dos cultos religiosos, mas a interpretação jurisdicional de referida imunidade não deve ser ampliada irresponsavelmente de modo a criar privilégio odioso, bem como a promover renúncia de receita sem qualquer estimativa de impacto orçamentário-financeiro.

Por fim, deve-se atentar sempre para o princípio da capacidade contributiva.

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